quarta-feira, 2 de junho de 2010

Gostamos de Poesia




Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.
Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
Se eu não levasse um jarrinho,
Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Pra ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.

Fernando Pessoa


BRINQUEDO
Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela;
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel,
E o menino ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel. (Miguel Torga)


URGENTEMENTE

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade

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